Crescimento sustentável: momento desafiador no mercado favorece startups com geração de caixa e operações equilibradas

Ao longo de 2022, a crise no setor não impediu startups com planos de negócio bem definidos de seguir crescendo e captando

Salvador, 22/09/2022 – De acordo com estudo da Distrito, o volume investido em startups em estágios iniciais cresceu no primeiro semestre de 2022. As rodadas do tipo seed saltaram de US$ 151 milhões em 2021 para US$ 282 milhões neste ano. A tão falada queda que ajudou a cunhar o termo “inverno das startups” se concentrou naquelas em estágio avançado de crescimento — na comparação anual, o montante desse grupo caiu de US$ 3,87 bilhões para US$ 1,24 bilhão. Segundo João Kepler, CEO e fundador da Bossanova Investimentos, venture capital mais ativa da América Latina, o impacto não tão forte nas early stage se deve ao estágio de amadurecimento do negócio — de validação e escalabilidade do produto.

“As startups crescendo estão se preocupando com o controle, governança e organização da empresa – em ter um bom plano de negócio. Tem fundo captado precisando fazer bons investimentos, mas ter sucesso, neste momento, depende mais do planejamento do empreendedor do que do fundo”, afirma Kepler. “Agora é a hora de encontrar os bons empreendedores, porque essa crise é um freio de arrumação muito importante. Nunca tivemos um momento tão bom para voltar aos princípios de se empreender ou de se investir.”

Fernando Trota, cofundador e CEO da Triven, empresa pioneira de serviços de backoffice – como CFO as a Service e Consultoria Financeira (Advisory) – focada em startups, concorda que, apesar da apreensão que o momento causa, o setor de inovação e tecnologia passa por um processo de amadurecimento. Assim, é preciso redobrar a atenção ao planejamento: “É necessário saber onde gastar e qual é a forma correta para obter resultados. Não adianta ter muito dinheiro para usar sem prever o que aquele investimento vai trazer de retorno”, aponta Fernando. “Pode ser preciso dar um passo atrás, resetando múltiplos e posições, pois o mesmo dinheiro precisa render muito mais. É urgente a necessidade de calcular e entender o real uso do recurso para fins de crescimento da startup.”

Ele acredita ainda que os gestores devem olhar para cada projeto, e, a cada passo dado, deve-se considerar o conceito de “custo produtivo”, gastando somente no que vai gerar receitas a curto e médio prazo. “Em relação à captação de recursos, é necessário estar atento não somente ao valuation, mas também aos termos estabelecidos durante a rodada de investimento, que devem ser interessantes para a startup, evitando situações de liquidation preference com múltiplos atrelados, com travas e vetos que possam vir a prejudicar a empresa no futuro”, completa.

A meta: criar uma rota de crescimento sustentável

Não são só os especialistas em investimentos e finanças que veem o atual momento como uma janela de oportunidades: CEOs e fundadores de startups que seguiram crescendo ao longo de 2022 concordam. “Negócios muito disruptivos e com altíssimas taxas de crescimento normalmente são mantidos apenas com muito investimento, pois não geram caixa no início das operações”, comenta Mário Verdi, CEO e fundador da Deskbee, startup de gestão do workplace que teve um aumento de 286% no faturamento no primeiro semestre de 2022, se comparado ao mesmo período do ano passado. A alta no número de clientes da HR Tech foi de 243%. “Para as operações mais equilibradas, com bom potencial de crescimento e que gastam pouco ou geram caixa, ainda há bastante recursos no mercado. Essas empresas, inclusive, se tornaram alvo dos fundos, pois representam menor risco.”

Mário relata como se deu o caso específico da Deskbee: “Começamos com muita dificuldade e demoramos para encontrar o chamado ‘product-market-fit’, ou o produto certo para um bom mercado, então acabamos aprendendo a viver sem água. Daí vem a expressão das startups camelo: conseguem se manter com recursos próprios ou de amigos, investidores-anjo, etc. Mas isso tem um preço: se você não tem investimento e acessa capital cedendo equity no início, você entrega uma fatia muito significativa da empresa para terceiros. E aí pode acabar inviabilizando os próximos passos”, destaca. “Isso aconteceu conosco. Tivemos que pegar boa parte de nosso caixa e de novos investimentos com valuations melhores, para recomprar a participação de sócios iniciais, que já não tinham mais sinergia com o negócio.”

A virada aconteceu quando, em outubro de 2019, a Deskbee lançou uma plataforma voltada especialmente para a gestão do modelo de trabalho híbrido, visualizado por eles como uma tendência que se consolidaria ao longo dos próximos cinco anos. A pandemia, porém, antecipou a tendência: a base de clientes da startup cresceu 1000% entre 2020 e 2021. Hoje, a Deskbee tem mais de 350 clientes corporativos, cerca de 250 mil colaboradores cadastrados na plataforma, e está presente, por meio de seus clientes multinacionais, em 20 países além do Brasil. Em julho, a HR Tech foi selecionada pela aceleradora Endeavor para seu programa de empreendedorismo Scale Up.

Estar sempre na vanguarda do mercado – e crescer com qualidade

Atuando no segmento de franchising, a retail tech Yungas vem crescendo mensalmente desde a sua fundação, em 2018: o único mês em que a startup viu uma queda no crescimento foi em abril de 2020, com as renegociações de contratos forçadas pela pandemia. Dali em diante, porém, a Yungas, que tem uma plataforma de gestão e comunicação para grandes redes de franquias, voltou a crescer, de forma constante e gradual. A velocidade do aumento mensal inclusive aumentou neste ano de 2022, após aporte do SMZTO, maior grupo de investimentos em franquias do Brasil.

“Crescemos em média 8% de um mês para o outro”, conta o CEO e cofundador Guilherme Reitz. “Em alguns meses chegamos a 15%. Para nós, mais importante que focarmos 100% na velocidade, é conseguirmos crescer com qualidade. Como nascemos bootstrapping, o modelo ‘triple, triple, double, double, double’ sempre ficou fora da nossa realidade. Optamos por crescer com as próprias pernas nos primeiros anos, então foi natural um crescimento mais orgânico; sem burn rate, e com capital próprio.”

A CashWay, techfin que oferece soluções Banking as a Service focadas em atender as demandas de instituições financeiras e de pagamento, lista entre suas estratégias para manter o crescimento sustentável em meio ao cenário desafiador a valorização de parcerias e a incorporação constante das principais inovações do mercado: no primeiro semestre de 2022, a startup cresceu 40%, em comparação com o mesmo período do ano passado.

Para o CFO da empresa, Heitor Almeida, o “inverno das startups” foi encarado com certa naturalidade, como um reflexo direto da drenagem de liquidez dos mercados globais. “Entendo que manter o foco nos parceiros estratégicos e entregar o que os investidores atuais esperam são ações fundamentais para continuar em evidência e atraente para o capital que se mantém disponível”, destaca. “É preciso se manter sempre na vanguarda do mercado.”

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