Relatório do PL das fake news prevê coleta massiva de dados e criminalização de usuário

Se for a voto, minuta divulgada pelo senador Ângelo Coronel mudará a forma como o brasileiro acessa e se comunica na Internet. Coalizão Direitos na Rede aponta riscos graves

Salvador, 21/06/2020 – A Coalizão Direitos na Rede, que reúne cerca de 40 organizações acadêmicas e da sociedade civil que atuam em defesa dos direitos digitais, publicou em nota neste sábado (20) uma lista de preocupações com o impacto negativo que a eventual aprovação do relatório do PL 2630/2020, em tramitação no Senado, pode ter em termos de criminalização de usuários da rede e violação ao direito à proteção de dados e à privacidade. A nota é reação a uma nova versão do relatório do senador Ângelo Coronel (PSD-BA), divulgada pelo parlamentar, mas ainda não protocolada no Senado. A votação da matéria está prevista para a próxima quarta-feira (24).

O relatório do senador Coronel modifica significativamente os objetivos e a estrutura do projeto de lei original, de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), baseada em deveres de transparência para as plataformas acerca de contas automatizadas, conteúdos pagos e moderação de conteúdos.

“Caso a proposta de relatório seja votada e aprovada na semana que vem, abre-se o caminho para o Brasil ter uma lei com potencial para inviabilizar o uso das redes sociais e aplicativos de mensageria privada por grande parte da população brasileira e ter instaurado no ordenamento jurídico uma visão ultrapassada de regulação da Internet, baseada na identificação massiva e na criminalização de usuários, na contramão do que o mundo democrático tem adotado e do que o Brasil, até agora, vinha sendo referência internacional”, afirma a Coalizão Direitos na Rede, em nota.

O novo relatório modifica conceitos trazidos no texto original e também o escopo de aplicação da possível futura lei. Inaugura, por exemplo, o conceito de “conta identificada”, expressão que passa a estruturar todo o relatório. Ao condicionar a autenticação de contas em redes sociais a um número de celular, o relatório passa a trabalhar com uma lógica excludente de acesso às redes, uma vez que desconsidera que muitos provedores de aplicações de Internet não são acessados de maneira exclusiva via celular e que quem não tiver um número em operação não poderá utilizar redes sociais e serviços de mensageria.

A previsão de identificação massiva e desproporcional dos usuários também vai de encontro ao disposto no Marco Civil da Internet e na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais a respeito do princípio da necessidade e coleta mínima de dados, motivada por uma finalidade clara e informada ao usuário. Tratam-se de princípios presentes em todas as recomendações internacionais sobre o tema, mas infelizmente ignorados no relatório.

Além disso, na contramão do que organizações de direitos humanos já demandaram ao Senado Federal, em carta, o texto do relatório que deve ir a voto tem potencial de criminalizar a opinião e comportamentos rotineiros de usuários de internet – inclusive com penas exageradas. O relatório usa termos genéricos para tornar crime uma série de condutas que, apesar de potencialmente problemáticas, podem enquadrar comportamentos rotineiros de usuários de internet. Inclui-se nessa preocupação a criminalização da criação ou manipulação “de contas automatizadas não identificadas como tal”, por exemplo. Além disso, orçará o Judiciário a analisar o exercício da liberdade de expressão na rede a partir de conceitos genéricos, como no novo tipo penal criado pelo texto que torna crime “veicular conteúdo que resulte em grave exposição a perigo da paz social ou da ordem econômica” ou “com a finalidade de degradar ou ridicularizar candidatos”. Esse tipo de disposição pode se transformar em um perverso instrumento para restringir a liberdade de expressão e constranger criminalmente ativistas e jornalistas.

A Coalizão Direitos na Rede acredita que o relatório requer muitos aperfeiçoamentos e mais debate antes de ser votado. Por isso, sugere que o PL 2630/2020 não seja incluído na pauta de deliberações da próxima semana e que o Senado Federal se debruce com atenção sobre o relatório proposto, para evitar os enormes riscos que ele apresenta para a liberdade de expressão, a privacidade e a segurança dos usuários da internet no país.

Acesse na íntegra a nota da Coalizão Direitos na Rede.

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